Por Marcos Antonio Mandacaru
Estamos na iminência de uma grande transformação tecnológica, talvez a maior da humanidade (até aqui) trazida pela computação quântica, que exigirá o máximo da capacidade humana para liderar equipes de alta performance. Será o fim da era binária, com novos desafios para a gestão no século XXI, até então acostumada à administração científica e cartesiana.
A humanidade ficará livre das atividades banais e rotineiras, mas onde estarão os empregos e qual o papel do líder neste contexto? As competências humanas, muitas delas ainda negligenciadas ou pouco exploradas, serão cada vez mais valorizadas. Lidar com, cuidar de e negociar com gente será tarefa das mais nobres. Os robôs estarão nas fábricas, lojas e hospitais, mas a interface humana, para solução de problemas humanos não será substituída.
A era quântica trará uma gestão mais humana (parece paradoxal). Considero três os pilares da liderança nesta segunda metade da década: 1. Propósito transformador; 2. Pensamento exponencial para tomada de decisão; e 3. Mindset global.
Propósito virou moda, sobretudo entre as startups. Entre executivos é confundido com missão e até mesmo com objetivo. Propósito transcende a organização, conecta a empresa à sociedade, ao tempo em que faz o link entre o “desejo de transformar a sociedade” e a “necessidade de gerar valor ao cliente e remunerar os sócios”. Propósito transformador está mais ligado ao coração e à alma, mas precisa da missão da empresa para não “voar alto demais”. Empresa e líder sem propósito resultam em equipes sem engajamento e paixão.
Nos meus mais de 20 anos de experiência corporativa, passei por vários planejamentos estratégicos, muitos deles conduzidos por consultorias renomadas. Todos eles falavam de visão, missão e valores. Ou seja, um olhar mais para dentro do que para o ecossistema. Nenhum falou de propósito, na sua concepção contemporânea. Propósito é atemporal e resiliente. Não se muda propósito com crise ou mudança tecnológica. Ele dá sentido à missão e aos objetivos estratégicos, fazendo com que o time sinta prazer e vontade de vencer desafios.
Talvez seja mais fácil definir o propósito da sua organização, num País emergente com tantos desafios como o Brasil. O mais difícil é separar propósito de missão. Veja o exemplo da Cisco, cuja missão é moldar a internet do futuro e o propósito é conectar todas as pessoas e coisas do mundo. Note a diferença, propósito não cita uma tecnologia específica, no caso a internet, pois no futuro ela pode ser suprimida por outra, mantendo o propósito vivo, afinal a humanidade precisará estar conectada sempre, mesmo que um dia seja por telepatia.
Pensamento exponencial para tomada de decisão
Nas minhas reuniões de equipe, eu sempre recorro ao exemplo do projeto Genoma Humano, citado no livro Organizações Exponenciais (leitura essencial), para ilustrar o pensamento linear versus o pensamento exponencial na tomada de decisão: “Em 1990, o Projeto Genoma Humano foi lançado com o objetivo de sequenciar completamente um único genoma humano. As estimativas previam que o projeto levaria 15 anos e custaria cerca de US$ 6 bilhões. Em 1997, no entanto, na metade do prazo estimado, apenas 1% do genoma humano havia sido sequenciado. Todos os especialistas condenaram o projeto como um fracasso: como foram necessários sete anos para realizar apenas 1% de sequenciamento, seria preciso 700 anos para concluí-lo. Craig Venter, um dos principais pesquisadores, recebeu telefonemas de amigos e colegas implorando que ele cancelasse o projeto para não se envergonhar ainda mais. No entanto, ao ser questionado sobre suas perspectivas, a opinião de Ray Kurzweil sobre o ‘desastre iminente’ foi bem direfente. ‘1% significa que já percorremos metade do caminho’. O que Kerzweil percebeu, ao contrário de todos, foi que a quantidade sequenciada estava dobrando a cada ano. Um % duplicado sete vezes é 100%. A matemática de Kerzweil estava correta e, de fato, o projeto foi concluído em 2001, antes do prazo e dentro do orçamento.”
O que poderia ter acontecido com um projeto de tamanha relevância para a humanidade, caso a decisão tivesse sido linear e não exponencial? Quantos projetos são engavetados ou mesmo desprezados nas organizações, pela incapacidade de as lideranças projetarem corretamente cenários futuros?
Vivemos uma disrupção global sem precedentes, e o que se aproxima, com a computação quântica, mudará toda a dinâmica empresarial e fará até mesmo a lei de Moore* perder o sentido. Por trás de toda a mudança tecnológica ocorrida nos últimos anos, sobretudo após a massificação da internet, está uma economia baseada em informação, sustentada pelos chips semicondutores. O ritmo de mudança ocorrido na computação está ocorrendo em outras tecnologias e com efeito muitas vezes mais impactante. Um drone custava US$ 100 mil em 2007 e US$ 700 em 2013, um robô industrial custava US$ 500 mil em 2008 e US$ 22 mil em 2013, e por aí vai. Outras tecnologias avançam num ritmo mais alucinante e exponencial que a própria Lei de Moore. Em 2025, teremos 50 bilhões de dispositivos conectados à internet e 1 trilhão em 2035. Nós tendemos a achar que, como já se passaram 30 ou 40 anos da Revolução da Informação, estamos bem adiantados em termos de desenvolvimento. Mas nós percorremos apenas 1% do caminho. Na prática, todo esse crescimento ainda está por vir.
Os cenários futuros não podem ser projetados apenas com base na velocidade das mudanças de comportamento de consumo e de avanços tecnológicos do presente. As mudanças virão numa velocidade muito maior daquela experimentada nos últimos 10 anos (e foram anos de mudanças incríveis). O grande erro dos gestores atuais, na transição que vivemos entre a era da informação binária para a era quântica, da indústria 3.0 para a 4.0, é projetar linearmente em tempos de mudanças exponenciais.
O pensamento exponencial para tomada de decisão estratégica é fator crucial para a sobrevivência e competitividade das organizações. Diretores e CEOs de empresas, líderes de entidades privadas e gestores públicos devem evitar operações lineares, medidas de desempenho lineares e resultados lineares. As organizações lineares têm algumas características comuns, tais quais: a inovação ocorre principalmente a partir de dentro, são top-down, o planejamento estratégico é uma extrapolação do passado, têm intolerância ao risco e inflexibilidade dos processos.
Talvez, o grande desafio da gestão nos próximos 10 anos seja expandir a organização no ritmo que a tecnologia será expandida. O primeiro passo deve ser habilitar a organização para a informação – um ambiente habilitado para a informação proporciona oportunidades disruptivas.
Para ler mais sobre o tema e inspirar o pensamento exponencial: Organizações Exponenciais, Salim Ismail, e A Segunda Era das Máquinas, Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson.
*A Lei de Moore surgiu em 1965. Gordon Moore, cofundador da Intel, dizia que a capacidade computacional do chip dobraria a cada 18 meses.
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*Marcos Antonio Mandacaru – Executivo com 20 anos de carreira, sendo 10 anos de experiência em negócios internacionais e atração de investimentos estrangeiros diretos, hoje na posição de Superintendente de Desenvolvimento Industrial da Fiemg, atua no desenvolvimento de uma agenda positiva e orientada para negócios em três áreas: Política Industrial com ênfase na inovação, Negócios Internacionais e Atração de Investimento Estrangeiro Direto. É Membro do Conselho de Inovação da Fiemg, , do Conselho do BHTEC (Parque Tecnológico de Belo Horizonte) e do Conselho do IMMC (Instituto Mineiro de Mercado de Capitais). É também co-founder do P7 e IoT for Mining.