No último dia 27 de março, a notícia de que o diretor-geral da Klabin, Fabio Schvartsman, seria o novo presidente da Vale pegou o mercado de surpresa, inclusive a própria fabricante de papéis. Três dias depois, a Klabin indicava um dos executivos, Cristiano Cardoso Teixeira, para assumir a cadeira, ainda morna. Sucessões inesperadas acontecem, e mesmo as grandes organizações estão sujeitas a elas. O que fazer quando esse momento chega é a diferença entre as que se preparam para uma eventualidade e as que vão demorar mais para tomar uma decisão. Seja para o topo da hierarquia, seja para postos-chave da companhia, o tema continua sendo preocupação para toda organização que quer manter a perenidade, independentemente de porte e segmento.
Quando não há planejamento sucessório, desagradáveis surpresas provocadas por morte ou saída repentina de executivos podem trazer prejuízo financeiro e até colocar a vida da companhia em risco. A realidade é que boa parcela das empresas, principalmente pequenas e médias, não possui um plano estruturado de carreira e sucessão para os principais executivos. Em uma contingência, a recomendação é pensar rapidamente em como distribuir as responsabilidades daquela posição entre os outros executivos e, em paralelo, iniciar um processo de busca interna ou externa. É o que aconselha Eduardo Faro, sócio da consultoria Fesa Advisory. “A base de uma sucessão é a existência de uma governança forte com comitês que discutam de maneira robusta o potencial de cada executivo e os cenários sucessórios, além de programas ou ações de desenvolvimento que exponham os executivos a situações em que possam desenvolver competências necessárias para os próximos passos na carreira” considera Faro.
Sucessão é tema caro porque lida com a qualidade das pessoas que a empresa precisa. Quando não há um sucessor identificado internamente, a única opção é contratar rapidamente um executivo do mercado. O que é crítico para o sucesso dessa substituição é a identificação do perfil correto. “Quando tratamos da substituição de um líder emblemático, especialmente fundadores ou CEOs bem-sucedidos, é muito frequente que o novo comandante seja alvo de comparações. Por isso, identificar um substituto que tenha os mesmos valores da empresa e não demore para entender o negócio é essencial”, diz Fernando Andraus, diretor-executivo da Page Executive. Ele acredita que o principal desafio das empresas é a retenção de potenciais sucessores, especialmente os mais jovens. Mesmo quando o profissional sabe que está na linha sucessória de um cargo, se a espera for longa, há o risco de o profissional aceitar outra proposta. “Tipicamente os candidatos a sucessores são os executivos mais bem-sucedidos, normalmente os mais abordados por outras empresas.”
Para evitar esse problema, David Braga, presidente da consultoria em recrutamento Prime Talent, considera que um plano bem estruturado e consistente tem de deixar claro aos empregados as expectativas da organização. “Sem dar visibilidade à carreira, torna-se impossível manter o capital humano por muito tempo na mesma organização”, diz. Para isso, é vital uma comunicação clara, objetiva e transparente. “É necessário realizar uma avaliação para medir as competências e apoiar a escolha dos possíveis sucessores a serem trabalhados, promovendo alinhamento.” Esta, segundo ele, costuma ser uma forma eficiente de reter o profissional ao longo do tempo, pois ele passa a saber quais são as intenções da organização no médio e longo prazo.
“Mas é preciso estar ciente de que não haverá substituição para todos”, alerta Fernando Mantovani, diretor-geral da consultoria em recrutamento Robert Half. “Sempre vai haver lacuna em algum lugar.” Para Rubens Prata, CEO da consultoria Stato, um projeto de sucessão não vira contingência quando a preparação de sucessores é parte de um trabalho de substituição em um tempo determinado, como no caso de aposentadoria ou mudança organizacional. Uma das armadilhas dos planos de sucessão é nomear substitutos que podem não entregar resultados ou deixem a indicação subir à cabeça. Eles acabam sendo excluídos do programa. Por isso, os programas raramente informaram o nome dos indicados. “O maior cuidado é criar um ambiente de contribuição e de menor concentração em um único talento”, diz Prata.
Esse não é um tema de interesse apenas das grandes organizações. O problema é que a maioria das pequenas empresas não conta com um plano por falta de gente. Normalmente, os líderes têm papel mais operacional, e há poucos recursos para atrair profissionais mais prontos para uma sucessão no curto e médio prazo. Outro fator que pesa para a vulnerabilidade é a falta de uma área de recursos humanos bem estruturada, mais fácil de encontrar em grandes companhias. Além do mais, é. preciso ter tempo no dia a dia para se dedicar ao assunto, algo que nem sempre os gestores das pequenas empresas têm. Segundo os especialistas, as médias empresas estão se preocupando mais com essa pauta porque normalmente não possuem o grau de atratividade das grandes e contam com menos alternativas de reposição interna.
O que todas têm em comum é que a maioria ainda possui estrutura familiar. Neste caso, muitas passam pelo dilema de manter o controle na família, mesmo quando não há gente preparada, ou
buscar a profissionalização da gestão. A advogada Manuella Curti passou por essa situação. Ela tinha apenas 26 anos quando assumiu, sem aviso prévio, a presidência da fabricantes de filtros Europa. Isso foi em 2009, depois que o irmão -que estava sendo preparado para assumir o lugar do pai, que sofria de câncer – foi assassinado no final de 2009. O pai, em choque, faleceu seis meses depois.
As opções na época eram vender a Europa, contratar um executivo do mercado que assumisse o papel de presidente ou algum sócio ficar na gestão. Depois de alguns meses nesse processo, Manuella assumiu a presidência da empresa no início de 2011. Ela recorda que não foi fácil, principalmente em razão das perdas familiares em tão pouco tempo, o que lhe acarretou certa instabilidade emocional. “Cuidar do meu equilíbrio pessoal foi prioridade, pois naquele momento entendi na prática que não seria possível cuidar de uma empresa se não estivesse bem para isso”, conta. O que aconteceu trouxe diversos aprendizados para a organização. Um deles foi a necessidade de cuidar da governança corporativa e familiar sem descuidar da rotina operacional. “Precisávamos estabelecer processos claros que cuidassem da cultura organizacional para que em transições futuras a empresa não perca o DNA e esteja preparada para adaptar-se às novas circunstâncias. Estamos cuidando do desenvolvimento da governança corporativa, para garantir um sistema de sucessão consistente.”
Experiências traumáticas como a vivida por Manuella não são raras. Em 2001, a Suzana Papel e Celulose passou por situação semelhante. “A gente teve um pouco de sorte porque a minha geração estava preparada quando meu pai morreu”, conta David Feffer, presidente do conselho de administração da Suzana. Ele e os dois irmãos já participavam de um processo de sucessão sob orientação de uma consultoria especializada antes da morte repentina do então presidente da companhia, Max Feffer. A decisão dos herdeiros, tomada ainda sob efeito da notícia da perda, foi colocar em prática um sistema de governança corporativa profissional, que na época era novidade para muitas das grandes empresas familiares. “Sucessão inesperada não ocorre, porque é 100% certo que a troca vai ocorrer um dia. O problema é quando não se conduzem as coisas como se deve.”
Casos de empresas familiares cujo patriarca ou matriarca não estruturaram o planejamento sucessório e empresarial são comuns no escritório de advocacia Veirano Advogados. Segundo Pedro Boueri, sócio da área de planejamento patrimonial, sucessório e direito de família, quase sempre envolvem empresas com faturamento expressivo ou holdings patrimoniais. Nessas situações, e especialmente quando existem múltiplos herdeiros menos afeitos à gestão empresarial, o plano de contingência surge da preocupação em preservar o negócio. A profissionalização da administração evita conflitos entre os herdeiros. Para a saída inesperada de executivos em posição-chave, Boueri sugere que tenham contratos especiais com estipulação de cláusulas de não competição ou mesmo quarentena por um prazo razoável, bem como de confidencialidade e sigilo sobre segredos comerciais. Isso vai garantir menos dor de cabeça.
Certas medidas de segurança também podem ajudar a evitar o pior. Na farmacêutica Roche F arma Brasil, por exemplo, existe uma regra para viagens. A recomendação é que mais de· três executivos com cargos de diretoria e presidência não sigam no mesmo voo, como forma de garantir a continuidade dos negócios e reduzir riscos e perdas de líderes importantes. Segundo Denise Horato, diretora de RH da Roche, a sucessão da companhia é baseada na valorização e promoção de talentos internos e de mapeamentos constantes de profissionais no mercado.
O fato é que temas como este não se encerram por aqui, uma vez que as empresas são organismos vivos, sujeitas às mudanças de tecnologia e de mercado. O desafio, contudo, permanece – não deixar o imponderável agir por conta própria.
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Publicação feita pelo Jornalista Luiz de França, no Jornal Valor Econômico em 19/05/2017 às 09h44 – Link da matéria: http://www.valor.com.br/carreira/4973998/o-inesperado-nao-avisa-quando-chega