* Augusto Carneiro CFP®
Competitividade, longevidade e cumprimento da função social sugerem às organizações uma reflexão sobre como a gestão financeira e os executivos de finanças podem contribuir de forma mais significativa para a sustentabilidade e perenidade das corporações.
A complexidade do mercado financeiro muitas vezes dificulta a comunicação entre a função financeira e as operações das empresas, o que torna as finanças corporativas uma entidade à parte no sistema organizacional. O desafio dos executivos de finanças é transformar o que as pessoas veem como complexo e chato em algo simples, passível de execução e principalmente inteligível. Foi-se a época em que a definição da estrutura de capital, os controles de contas a pagar e receber, a elaboração dos orçamentos e as projeções de caixa eram suficientes.
O dinamismo do mercado obriga os gestores financeiros a entenderem cada vez mais do negócio da companhia, a entrarem na operação e, por meio de instrumentos simples, traduzirem o “financês” em adequações operacionais e de compliance. ROIC, EVA, ROCE, EBITDA muito utilizados no meio financeiro são apenas consequência das diversas ações operacionais implementadas. Poucas organizações conseguem traduzir esses conceitos em operações simples e que se tornem tarefa de todos.
O presidente de uma grande empresa questionou o por quê de uma companhia com bom EBITDA há mais de sete anos não gerar caixa, sendo obrigada a recorrer a bancos para viabilizar a sua expansão.
Em uma análise superficial, o foco poderia ser trabalhar a estrutura de capital com uma adequação dos recursos de terceiros ao fluxo de caixa previsto. Para o mercado financeiro, uma simples reestruturação de dívidas resolveria. Entretanto, apesar dessa adequação ser viável, existe uma oportunidade de gerar mais resultados, caso seja analisada a operação, entendido o ciclo financeiro, o processo de compras, de estocagem, logística, vendas, de recebimento e o de pagamentos. Ao final, utilizar recursos já existentes, mas mal alocados devido às ineficiências internas.
Esse presidente percebeu o quanto poderia gerar de caixa trabalhando internamente. Foi identificado que apesar de gerar EBITDA os níveis de estoque de alguns itens estavam acima do desejável. Essa era a ponta do iceberg. O estoque é necessário, é um diferencial competitivo, mas estava em excesso, ocupando o lugar de outros produtos de maior giro e lucratividade.
Os níveis de estoque cresciam em velocidade superior ao faturamento e o resultado era todo consumido como fonte de capital para ampliação desse estoque. A companhia, mesmo reestruturando as dívidas, se continuasse com um acelerado crescimento e com a mesma política operacional fatalmente entraria em colapso no longo prazo. O aporte de capital em estoque consumiria os resultados gerados e novos aportes de recursos seriam necessários. Quando a geração de caixa não cobrisse mais as dívidas, a companhia não encontraria recursos no mercado, levando um negócio lucrativo à falência por problemas financeiros, sem contudo identificar que a causa da bancarrota estava na gestão de estoque.
Nesse cenário de forte geração de EBITDA em uma organização tradicional e com metas setoriais, os gestores de compras são parabenizados por comprarem cada vez mais barato e serem os principais responsáveis pela melhoria do EBITDA. Quanto aos gestores de logística e financeiro, acabam sendo penalizados com a falta de espaço e de dinheiro, tornando-se os vilões do crescimento.
Para o “financês” a resposta é simples: há necessidade de capital de giro. A companhia cresce acima de seu faturamento e a sua fonte de capital próprio não é suficiente para suportar esse crescimento. Conforme o modelo dinâmico, vemos a ocorrência do efeito tesoura, com a companhia caminhando para uma situação de insolvência. Ao longo do tempo, a geração de EBITDA não será suficiente para cobrir o custo de capital de terceiros alocado em estoques e quanto mais a companhia crescer maior será o potencial de entrar em falência por falta de caixa para girar a operação.
O executivo de finanças moderno , em conjunto com a equipe de compras, logística e vendas deve definir um controle que permita aos compradores gerenciar volume de estoque, custo e prazo de pagamento. Dessa forma, o comprador passa a ter uma ferramenta que permite a ele avaliar e simular a negociação para ver se ela vale a pena.
Vejamos outro exemplo. Seria interessante dobrar o estoque de um determinado item em função de um desconto maior ou vice-versa? As empresas não podem ficar presas a indicadores pontuais. Precisam garantir que as decisões no âmbito operacional sejam as melhores, sem perder o dinamismo que o mercado requer. Um conjunto de boas decisões vai gerar bons resultados. É nesse sentido que os executivos de finanças são cruciais para ajudar a equipe a identificar qual é a melhor decisão para a empresa. No entanto, para contribuírem significativamente, além do conhecimento tradicional de finanças, precisam entender do negócio da empresa e ter habilidade interpessoal para entrar em todos os setores e apoiar as iniciativas de melhoria operacional.
Fazer o fluxo de caixa, traçar cenários, elaborar o planejamento financeiro, gerenciar riscos etc., são importantes, mas a diferença está na capacidade de alocar os conhecimentos de finanças nas decisões do dia a dia de profissionais não financeiros que operam a companhia. A visão das finanças na operação é importante para desenvolver indicadores que sejam capazes de captar as necessidades de uma situação econômico- financeira sólida e traduzi-las em itens operacionais. Um bom exemplo disso é o indicador de tempo médio de permanência de um paciente em um hospital. Caso o tempo esteja acima do ideal, o hospital perde, pois o paciente sofre mais, o consumo de medicamentos é maior, o leito poderia gerar mais faturamento e mais clientes poderiam ser atendidos, entre outros fatores. A princípio, um indicador como esse não é financeiro. No entanto, os resultados financeiros e econômicos são consequência de uma operação ajustada e efetiva, balizada por um indicador deste perfil.
O Desafio das finanças corporativas do novo século está, portanto, em levar a complexidade das finanças de forma simples para toda a companhia, de modo que sejam entendidas e praticadas por todos na operação, gerando assim melhor resultado para a companhia.
Cabe destacar, que nos casos citados o conhecimento de finanças foi alocado em uma ferramenta adequada à rotina do colaborador. O mesmo não precisa dominar modelos financeiros, mas tem de saber que cada dia a mais de estoque tem um custo específico. Ou se o tempo de permanência do paciente for maior, menos faturamento o hospital terá, mais despesa contrairá, mais tempo levará para receber, mais funcionários demandará, menos pessoas serão beneficiadas etc.
Enfim, percebemos que as soluções precisam de conhecimento do processo e interdisciplinaridade. São necessários indicadores e controles simples que consigam abstrair o que é importante. Toda decisão em uma companhia tem um fundamento na teoria de finanças. No entanto, as empresas não existem para gerar lucro, existem para cumprir um propósito, tendo o lucro como consequência imprescindível para a perenidade do negócio e satisfação dos investidores.
Nesse contexto, cabe a reflexão quanto a responsabilidade dos gestores financeiros além das finanças da companhia.
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* Augusto Carneiro CFP® é sócio da Top Capital e membro do Conselho de Presidentes.